Associação aeQuum prepara porto seguro para a comunidade LGBTI+ em Faro

Associação aeQuum prepara-se para inaugurar um espaço para a comunidade LGBTI+ com gabinete médico, residência universitária, zona de coworking e galeria de arte.

Do latim, aequum significa oportunidades iguais e um chão comum, o objetivo da Associação aeQuum – Apoio à Inclusão LGBTI+, coletivo fundado no final do ano 2021, em Faro, por um grupo de pessoas queer [termo inglês que remete para minorias sexuais ou de género] que sentiu necessidade de criar uma comunidade segura na capital algarvia.

«A realidade é que nunca houve um espaço comunitário oficial LGBTI+ em Faro. Não falo em situações de noite, porque muitas vezes sexualizam a nossa comunidade por acharem que somos boémios e que o nosso sítio é num bar. Essa não é a realidade. Na verdade, não há um espaço onde uma pessoa queer pode ir durante a semana, durante o dia, para estar entre pares, onde se sinta incluído e onde possa consultar informação validada. Uma pessoa heterossexual bebe um café em qualquer lado e está entre pares. Nós, não. E muitas vezes só de estarmos vestidos de maneira diferente, somos olhados de lado porque não estamos inseridos em todas as situações», justifica ao barlavento o empresário Telmo Martins, 40 anos e atual presidente da associação.

Com o intuito de criarem um espaço seguro para esta comunidade, um dos elementos da associação, o alemão Christopher Seibold, residente na cidade há vários anos, acabou por adquirir três frações numa das principais artérias da baixa de Faro, num edifício com dois andares, comum à Rua do Compromisso e à Rua de São Pedro. As obras estão em fase de conclusão e dentro em breve nascerá ali a sede da Associação aeQuum, um espaço que irá muito além de um centro comunitário, e que servirá também para acompanhar os processos de vida, as necessidades e as mudanças das pessoas LGBTI+.

«Vamos ter uma galeria com obras artísticas. A índole será sempre a partilha da nossa arte para desmistificar esta questão das pessoas queer, porque queremos educar através da arte. Vai ser um espaço aberto com exposições. Depois, vamos ter também uma zona de coworking, onde todos são bem-vindos. Teremos ainda um espaço multiusos para sessões e palestras, uma biblioteca com material técnico e real sobre diversas temáticas inclusivas e ainda uma cozinha. Esta última onde vamos desenvolver projetos e eventos como showcookings e demonstrações culinárias e gastronómicas, mas em contexto terapêutico», enumera o responsável.

Além disso, e talvez uma das zonas mais importantes da futura sede, é o gabinete de apoio à saúde para intervenção clínica. «A ideia é termos o apoio direto do Centro de Aconselhamento e Deteção Precoce da Infeção pelo VIH/SIDA (CAD) do Centro Hospitalar e Universitário do Algarve (CHUA), com testes gratuitos e informação validada por profissionais de saúde. Já estamos a estabelecer parcerias e o objetivo do gabinete é também dar condições à presença de um médico, enfermeiro, psicólogo e outros terapeutas», assegura Telmo Martins.

Já o primeiro andar do edifício está reservado para uma residência universitária para pessoas queer, numa parceria com o grupo informal de alunos LGBTI+ da Universidade do Algarve (UAlg), em que a premissa é conseguir garantir um custo de alojamento mais reduzido que a média.

A previsão é que a sede esteja a funcionar em pleno ainda antes do verão, mas a aeQuum deixa uma ressalva: «trata-se de um espaço com uma porta aberta para todos: mulheres e homens de qualquer idade, etnia e/ou orientação sexual. Claro que o foco é a nossa comunidade, mas são todos bem-vindos», nas palavras de Cristina Galrito, 49 anos, mediadora imobiliária e membro da assembleia geral da associação.

Na opinião de Ruben Seromenho, 27 anos, gerente de bar e membro da assembleia geral da Associação aeQuum, Portugal «continua a ter raízes católicas muito vincadas e uma visão de que a homossexualidade é errada e negativa. Sinto alguma evolução, porque já se fala mais nas redes sociais e nos meios de comunicação e isso abriu um pouco os horizontes. No entanto, ainda existe muita discriminação em Faro. Ainda não nos sentimos 100 por cento confortáveis por nos vestirmos da maneira que queremos, ou em andar de mão dada na rua. Muita gente ainda não é assumida e tem de viver no mundo noturno que é onde se podem esconder e serem si mesmos».

Daí também a necessidade em inaugurar o centro comunitário da aeQuum, «em trazer para a luz do dia um espaço que mostre a nossa comunidade como realmente é. Um local sem estar necessariamente ligado a festas, ao álcool e à noite, mas sim de aprendizagem, de segurança, de conhecimento, de maior saúde física, mental e sexual. Essa é a nossa grande intenção», refere Ruben Seromenho.

O presidente da associação vai ainda mais longe. «O tema é abrangente e está relacionado com um processo de vida desde a infância até à idade adulta. Muitos suicidam-se porque não aguentam com a pressão. Isso acontece ainda hoje em dia. É muito complexo. Quando a própria pessoa se torna agressora de si mesma e não se permite viver, é muito complicado. A pessoa não se consegue olhar ao espelho e admitir o que é. Não se aceita. Não estamos perto da normalização e ainda vai demorar alguns anos até se chegar lá. O que sentimos é que estamos numa luta com uma sociedade que tem hábitos que não se coadunam com os nossos», afirma.

Já Cristina Galrito aponta que, em Faro, «ainda existe muita discriminação pela diferença. Está melhor, mas a mentalidade das pessoas ainda é muito fechada. Sou farense e sinto dificuldade em que certos e determinados temas cheguem à cabeça das pessoas fora da comunidade. A verdade é que ainda existe muita gente dentro do armário [que ainda não se assumiu]. Enquanto existirem, a sociedade ainda não mudou o suficiente», finaliza.
Mais informações sobre a Associação aeQuum – Apoio à Inclusão LGBTI+ podem ser consultadas no site, nas redes sociais (@ae_q_uum) ou através de e-mail (geral@aequum.eu).

LOUD Festival está de regresso

A primeira edição do LOUD Festival, em Faro, teve lugar entre os dias 20 e 25 de junho em vários espaços da capital algarvia. O programa incluiu uma exposição artística subordinada ao tema «Arte como Meio de Quebra de Tabus LGBTI+», uma palestra sobre os desafios do coming out em contexto escolar e familiar, um workshop de escrita criativa e a exibição do filme «Limiar» de Coraci Ruiz.

Este ano, de novo na semana que precede a Marcha LGBTI+ em Faro, a Associação aeQuum volta a organizar o LOUD Festival com o objetivo de «desmistificar tabus, educar para a inclusão e abordar várias vertentes artísticas», segundo o presidente Telmo Martins.

Escrito por

Maria Simiris

11 de fevereiro de 2023

Jornal Barlavento